Varanasi

Novembro 2016

O Labirinto

Chegados a Varanasi, começamos logo a ver as trafulhices do costume – os táxis caros, toda a gente a querer comissão de tudo e esquemas de juntar 3 grupos diferentes no mesmo taxi. Disseram-nos logo que o taxi não vai até ao nosso hotel, que tínhamos de andar cerca de 10 minutos nas ruas labirínticas de Varanasi, onde é difícil encontrar alguém que fale inglês. Lá fomos nós (a partilhar um taxi com um indiano e um sul-coreano), a caminho do Ganges! Eu adormeci mal entrei no taxi… nestas férias ganhei resistência a não conseguir dormir, adormeço em todo o lado! Dei por mim com a minha cabeça quase deitada no ombro do coreano! A viagem foi intensa, com todo o caos, barulho, lixo e pobreza a passar mesmo diante dos nossos olhos. Este é o sítio onde mais se ouve as buzinas dos carros, das motos e das bicicletas. É ensurdecedor! Apetece gritar ao mesmo tempo que elas apitam e dizer “Já ouvi! Já sei que vens aí! Passa lá, pá!”

O taxi deixou-nos numa rua que parecia ser uma rua principal. Bem podia ser outra qualquer, porque não conheço nada… Lá fomos perguntando o caminho, dizendo o nome do Gat (os monumentos onde há passagem para o rio) e iam-nos dando instruções mistas… Uns diziam que era sempre em frente e depois à direita e mais à frente diziam-nos que era para trás e à esquerda. Que grande merda! E agora? Sem saber o caminho, com malas às costas, cheios de calor e fome e a querer tomar um banho e descansar. Que filme! Até a polícias perguntámos e eles só nos mandavam para trás e depois para a esquerda e para a direita… Bolas! Que frustração!

Desistimos de perguntar pelo hotel ou pelo Gat e começamos a perguntar pelo Ganges. Chegando ao rio, podíamos caminhar num sentido e encontrar o hotel. Boa ideia! Lá nos encaminharam e lá fomos nós por ruelas onde só cabem 2 pessoas lado a lado, mas por onde passam 10 de cada vez, motos, bicicletas e vacas, ruas cheias de cocó pelo chão, cheiro a urina, cães cheios de sarna, papagaios em gaiolas, indianos a quererem vender de tudo, crianças a sorrir, vagabundos vestidos de homens santos a pedir dinheiro e uma série de fotos maravilhosas a passarem-nos ao lado, por estarmos carregados e sem mãos livres…

Tínhamos de chegar ao hotel o mais rápido possível e voltar para ali para começarmos a registar tudo o que estávamos a ver. Isto é lindo! Apesar do cheiro e da sujidade, é único e estou imensamente feliz por estar aqui. Não tenho palavras para descrever o que tenho sentido aqui, parece que tudo o que digo não chega e a espiritualidade deste sítio é transcendente.

Finalmente conseguimos avistar o Ganges e o primeiro sítio que chegamos é o “burning gat”, o sítio mais mágico e espiritual de toda a Índa! Não podíamos ter tido mais sorte! Começamos a ver pilhas de troncos de madeira, homens santos e a casta mais baixa os “intocáveis” (os indianos que queimam os corpos e que não podem tocar em ninguém). Mais à frente, vemos fumo e sentimos um calor na cara que nos faz tossir e suar. Sai água por debaixo do chão e com cuidado tentámos não lhe tocar, mas é impossível arranjar um sítio seguro para pôr o pé e agradecemos por estarmos de sapatilhas e não de havaianas.

Toda a gente nos pergunta se queremos um barco para andar no Ganges, se queremos um guia ou se queremos tirar fotografias aos corpos. Já tínhamos lido sobre estes esquemas no Lonely Planet e como eles cobram dinheiro pelas fotografias depois de as tirarmos e como os guias são negociados a um preço e depois é cobrado outro. Dizemos que não a tudo enquanto vamos caminhando em direção ao hotel.

O nosso hotel fica mesmo ao lado do burning gat e é um hotel recuperado de um antigo palácio de um marajá. Não é tão bonito como o de Jaipur, mas é igualmente interessante. O Ganges está com maré vaza nesta altura do ano e é possível caminhar lado a lado do rio pelos gats todos, explorando cada esquina. Foi o que fizemos depois de deixarmos as malas no quarto.

Entusiasmados como duas crianças a comer um gelado e de máquina fotográfica debaixo do braço, fomos explorar as cerimónias dos funerais hindus. Já sabíamos que não podíamos tirar fotos sem nos cobrarem dinheiro por isso, mas tínhamos de tentar tirar disfarçadamente. Pusemo-nos num sítio estratégico e com o telemóvel encostado ao meu corpo, tirei 3 fotos seguidas para garantir que uma ficava bem.

Nessas fotos ficou registado a cremação de um corpo todo coberto com um pano branco, colocado desajeitadamente sobre uns barrotes de madeira, tapado com outros tantos troncos, com flores laranjas e amarelas, colares e pétalas. É o familiar mais querido que ateia o fogo ao corpo e senti-me triste por eles. Os familiares rapam o cabelo e a barba (se a tiverem) logo a seguir a deitarem as cinzas no Ganges, nas escadas do rio e também se vestem de branco. Durante a cremação rezam alto e ficam perto do corpo, a olhar para toda aquela cena mórbida e é impossível para mim não pensar no meu pai, que também foi cremado.

Um dos dias mais tristes da minha vida e certamente também para estas pessoas. Porém, a cremação no rio é um ritual que todos os hindus desejam obter um dia, por ser o culminar de um ciclo de reencarnação e eles acreditam que se forem queimados ali esse ciclo quebra-se e não reencarnam mais.

A primeira coisa que se pensa é “mas não é bom reencarnar?” Para eles não, porque creem que podem voltar no corpo de um animal ou pior. “Good karma” ou “bad karma”! Mas não é para todos! Grávidas, crianças e pessoas mordidas por serpentes, são agarradas a uma pedra e atiradas ao rio para se afundarem ali. Cruzes… ainda mais mórbido! Já sabem que vão reencarnar noutra vida, só não sabem em que forma. Pessoa, animal, inseto? Depende se fizeram o bem nesta vida. A única coisa certa nesta vida é a morte e por isso, quando velhinhos vêm para Varanasi para morrer aqui e acabar com o ciclo de reencarnação.

O nosso hotel oferece uma viagem de barco ao pôr do sol para vermos o festival hindu onde se celebram os deuses. É passado na escadaria do rio, por volta das 18h00, um pouco a sul do nosso hotel e aqui teremos uma vista privilegiada deste “festival” de cores e música.

Lá entrámos no barco, com um americano original da Nigéria e um casal de indianos que estão aqui de lua de mel. Vê-se imensa gente nas escadarias a marcar lugar desde as 16h00, para garantir que têm o melhor lugar. Está imensa gente a assistir do rio, dentro de barcos apinhados de gente, com miúdos a tentar vender flores com velas dentro de conchas de papel para oferecermos ao Ganges em troca de sorte e “good karma”. Lá comprámos uma conchinha e pedimos o nosso desejo – felicidade – e tirámos fotos a tudo! Eu até toquei na água (sem querer!!) com o dedo, porque era de noite e não se via nada, e o barqueiro atirou água com o remo para o braço do Diogo. Estamos abençoados!! Tradução: amanhã estamos doentes, cheios de febre!!

Quando voltámos para o hotel fomos jantar ao restaurante do hotel, indicados pelo casal indiano que garantiu que é o melhor da cidade para os locais!

Descalços em Varanasi

Varanasi é uma cidade que nasceu em 1.200 AC, sendo tida como a cidade continuamente habitada mais antiga do mundo e este é o nosso último dia cá e o último dia de férias antes de começarmos a nossa viagem de volta a Portugal.

Ontem marcámos uma viagem de barco por 100 rupias por pessoa e por hora (1,2€) e tínhamos de embarcar às 5h30 da matina. Cheios de sono e com o pequeno almoço por tomar, lá fomos nós escoltados pelo “Mister Diamond”, para vermos o nascer do sol no Ganges. É uma experiência única e ao passarmos pelo “burning gat” vimos que ainda se queimavam corpos. O barqueiro diz que a cada 10 ou 20 minutos aparece mais um corpo para queimar. Muita gente morre nesta cidade! Pudera… eles vêm de toda a Índia para morrer aqui!

O sol lá se começou a levantar, num céu poluído, com o seu tom avermelhado, enquanto nós íamos tirando fotos a tudo! Quando se pensa que podemos voltar para trás, que já está tudo mais do que visto e que agora deve ser tudo igual, lá aparece um homem a tomar banho no rio (quando digo a tomar banho, é mesmo a tomar banho, com direito a shampô e sabonete), um a lavar os dentes, outro a ver a cabeça dele ser rapada para um funeral, outro a rezar dentro de água, outro a beber água do rio com as mãos em conchinha, outro a nadar com a cabeça dentro de água mas com o rabo de fora, outro a lançar as flores com velas como nós tínhamos lançado na noite anterior… é um sem fim de situações, que não lembra ao diabo, e que é possível encontrar aqui!

Andámos 2h00 de barco e voltámos extremamente contentes, dando uma gorjeta de 100 rupias ao Mister Diamond pelo excelente serviço. Até os olhos lhe brilharam. Toda a família dele é constituída por barqueiros e ele contou que o filho está a tentar ser médico, mas quando explicou melhor, afinal era enfermeiro, e ajudava com casos de lepra. Nossa!

Fomos tomar o pequeno almoço e encaminhámo-nos para o nosso “shopping day”! Souvenires e especiarias estão na nossa lista. Percorremos as ruelas que parecem que nunca mais acabam à procura do mercado de especiarias e demorámos mais de 1h00 a encontrar o spot certo para negociar. Quando encontrámos, vimos no mapa que ficava a dois passos do nosso hotel, mas no sentido contrário ao que iniciámos.

O homem parecia que não queria vender e nós nunca nos sentimos tão ignorados por um vendedor na Índia como aqui… Chegámos até a ir ao lado, enquanto esperávamos, a um sítio recomendado pelo Zomato e pelo Lonely Planet, chamado Blue Lassi, onde supostamente se faz o melhor lassi de toda a Índia. Eu comi um lassi de banana e o Diogo um de açafrão e pistachios. Temos de admitir que estava divinal! Nota 10!!! E eu já sei fazer Lassi, graças à minha aula de culinária em Udaipur!

Voltámos para a loja das especiarias e depois de 1h00 a tentar chamar a atenção dele e a negociar com ele, entre explicações sobre o que era o quê, lá trouxemos um saco cheio de especiarias. Não sabemos como vai caber na mala!

Fomos almoçar ao Dosa Café e o nosso almoço foi qualquer coisa de fenomenal! Eu comi uma pizza indiana, que se assemelha muito à pan pizza da pizza hut, e o Diogo comeu uma Dosa, uma espécie de crepe recheado com cogumelos e queijo tradicional e mozzarella. Estava delicioso!!! Nota 10!!!

O dia estava a correr bem relativamente a comida e seguimos caminho até ao templo hindu Vishwanath, o equiparável à Meca dos hindus. À chegada, avisaram-nos que não podíamos entrar nem calçados nem de meias e lanço um olhar de pânico ao Diogo! Quando olhámos para o chão, vemos água parada, lixo que não conseguimos identificar de onde vem nem o que é, o chão está castanho e cinza e não sabemos o que é pior, se as partes do chão que é em mármore ou se as partes onde existem tapetes… E eu penso, não! Não dá para pôr o pé naquilo! “No way, Jose!” Mas lá teve de ser e entre arrepios e gemidos, lá entrámos nós no templo, com muito cuidado onde se punham os pés, tentando sem sucesso pousar sítios menos sujos.

As indianas empurram-nos a quererem passar à frente e fazem-nos desequilibrar, obrigando-nos a apoiar-nos nos pilares sujos e a subir escadas que não queremos. Fomos “empurrados” e acotovelados até uma sala onde eu cheguei ao meu limite e disse ao Diogo que nem morta entrava ali.

Demos meia volta e connosco a dar cotoveladas aos indianos de volta, lá conseguimos fugir daquela fila de pessoas que adoram estar ali no meio daquela imundice toda! Esta foi a única vez que eu me senti fora da minha zona de conforto e até o Diogo desabafou que também tinha sido demasiado para ele, apesar de ser a segunda vez que lá ia…

Saímos do buraco e “corremos” até ao hotel para tomar um banho. Meias para o saco da roupa suja imediatamente, antes de entrar no duche! Esfregamos bem os pés, pernas, mãos e braços e voltámos para a cidade para irmos jantar ao mesmo sítio do almoço, já que achámos tão bom e continuava delicioso.

Voltámos para o hotel, depois de nos despedirmos do Ganges, visto que é a última vez que o vemos de noite. A esta hora ainda se veem pessoas a tomar banho no rio, que não está assim tão quente, e a escadaria parece ser o ponto de encontro de toda a gente, que ficam ali sentados, a olhar para o Ganges e a conversarem, no meio de vacas, cães, cocó, urina, água e o fumo do burning gat.

Amanhã é dia de despedida e de nos pormos a caminho de casa, depois de 25 dias de Índia.

Para saberes mais sobre nós, segue-nos:

Fica a par das nossas últimas aventuras

Partilha o artigo!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *