Depois da azáfama de ontem na busca de um repouso confortável e limpo, acabamos por encontrar um sítio muito confortável.
O amanhecer deu-se numa banda sonora de um chilrear tropical de pássaros locais que voam por aqui, provocando uma transição suave do sonho profundo para a realidade exótica e para a almofada estéril onde ontem depositamos toda a nossa confiança (e cabeças).
Ao pôr a mão na cortina de algodão de cor mostarda, para a fazer correr, não adivinhávamos o que estava por trás do vidro. O lago à nossa frente, pássaros a voar por cima das nossas cabeças, as montanhas escarpadas verdejantes a ladear e a contornar a água serena e tranquila que apenas se mexe com os ocasionais barcos que transportam as pessoas entre as 12 vilas simpaticamente referidas como os 12 apóstolos.
Algumas mulheres lavam a roupa no lago enquanto outras lavam o próprio corpo, deixam um rasto esbranquiçado do detergente que se mistura com o azul escuro, meio esverdeado, do lago, formando-se uma espécie de neblina marinha que ganha terreno na água. Vemos barcos ali parados à espera das pessoas que aqui vieram, tratar dos seus afazeres, para voltarem às vilas onde moram.
Queríamos voltar a San Marcos, San Pablo e San Juan, mas a única estrada que as liga está em obras e por isso somos obrigados a mudar de estratégia. “Vamos explorar San Pedro e Santiago e de lá apanhamos um barco para San Juan.” Enquanto o diabo pisca um olho, já tínhamos um plano traçado.
Isto é o que nós mais gostamos… Palmilhar as ruelas e os mercados destas vilas tradicionais e é aqui que absorvemos o choque cultural, onde tiramos mais fotos. A interação com os locais é forçada e tristemente recusada, fruto da pandemia…
As pessoas, os cheiros, as cores e até a degradação do ambiente que nos rodeia acorda-nos para uma realidade que só nestes destinos encontramos. Flores, frutas, vegetais, peixes, carnes, marisco, comida já cozinhada vendida em caixas de plástico, frango à grelhar na chapa na hora, bugigangas, chapéus de palha, malas e sandálias de couro, roupa colorida… tudo se vende debaixo do sol que nos queima a pele, onde o calor se entranha, e por baixo dos nossos pés, corre água de esgoto.
Há ratos mortos a serem devorados por formigas e moscas, há tuk tuks a furar caminho, autocarros de chapa a passar cheios de cor e decorados à vontade do freguês, há casas construídas em tijolo de cimento com telhados em zinco e com o arame que serve de sustentação das paredes espetados para o céu a aguardar o desejo do seu dono de construir mais um piso.
A única estrada que une San Pedro a Santiago é um vale de crateras que tivemos de percorrer entre 5km/h e parados, até avaliarmos por onde é seguro passar sem abrir um buraco na base do carro.
Santiago é muito semelhante a San Pedro, mas ainda consegue ser mais agreste. Mais autocarros, menos turistas. Mais ruelas de cimento e lama, menos scams. Mais crianças a brincar, menos rabugice. Mais genuinidade, menos desilusões. Mais intensidade, menos eletricidade. Sim, encontramos esta vila em obras elétricas e a eletricidade só vem às 17h (horário guatemalteco, leia-se 18h30).
Com as baterias a esmorecer, o corpo a fraquejar e os cafés sem café, um cochilinho é lei. Acordados por trovoada e chuva a bater no telhado de zinco, apressamo-nos para encontrarmos um restaurante simpático para matarmos o monstrinho da fome que por esta hora já dá sinais de vida. Encontramos o Taco Mar que nos encheu a alma de tacos, guacamole, nachos, tortillas e burritos, num manjar de reis que nos fez sair a rebolar debaixo de chuva torrencial.
Acho que o plano de irmos de barco até San Juan vai sair furado…