Sorrisos. Abertos. De olhos brilhantes. De conversa pronta e língua afiada. “De onde son?” “Portugal!” “Luís Figo!” Mais risos escondidos atrás das máscaras anti covid.
Das ruas acenam na nossa direção. As crianças aproximam-se de nós, tímidas na esperança de conseguirem roubar a nossa atenção. Sucesso. Numa primeira abordagem pouco dizem. Será que falam espanhol? Claro que sim, é só vergonha… Soltam-se rapidamente. Querem saber quem somos, perceber o que dizemos e conversar.
Povo pronto para a conversa, os Salvadorenhos. Fazem perguntas, questionam. Querem saber se gostamos do país, se precisamos de ajuda. Dão-nos dicas de onde ir, tornando o nosso roteiro mais rico e a nossa experiência mais especial.
Nas praças centrais das vilas há mercados. Há gente à conversa. Casais a namorar. Um senhor com um microfone pregoa a palavra de Deus. Está confiante. Atrás dele, outro senhor com uma Bíblia na mão, levanta as mãos para o céu enquanto acena afirmativamente com a cabeça, concordando com o seu parceiro. Profetas da palavra divina.
Uma senhora de camisola amarela pára para falar connosco. Abafada pela “palavra do Senhor” conseguimos perceber que tem 9 filhos e um número muito grande de netos. Tem uma presença que nos desconstrói. Uma gargalhada que nos apaixona. Diz mais umas palavras, que não compreendemos, e dá outras gargalhadas. Gesticula, em silêncio, gozando com o barulho que o “profeta” faz e manda outra gargalhada na nossa direção.
Está confortável a falar connosco, sem máscara, solta e livre. Já não tem idade para se preocupar com o covid… E nós queremos prolongar aquele momento e o desejo de desligar o microfone aumenta. Tentamos perceber o que a senhora diz, sem sucesso. Ela afasta-se lentamente, agradecendo a conversa e nós, frustrados por não termos entendido quase nada, acenamos agradecendo.
À nossa direita, um carrinho a vender fruta. A senhora pega num saquinho e oferece ao senhor que passa por ali a limpar a rua. Generosidade. Sem interesse. Genuína, sem querer nada em troca.
Mesas precárias, toscas, mostram o que querem vender: de tudo um pouco. Passa um carrinho de mão a vender gelados artesanais, com um pequeno sino a tocar para assinalar a sua presença. Noutra direção ouvimos “paso adelante, mi amor!” pedindo para vermos o que estão a vender e perguntar preço sem compromisso.
No mercado oferecem-nos fruta porque dizemos que só queremos uma para provar. Quando perguntamos se determinado jalapeño é picante, mandam-nos provar a seco e riem-se de nós. Metem meia dúzia num saco minúsculo e colocam-nos na mão. Insistimos para pagar. Não aceitam mas nós não nos sentimos bem e deixamos uns dólares na esperança de ajudar.
Popusas. Revestem o nosso estômago ao pequeno almoço, empurrado por café e chocolate quente. São boas e ricas em gordura. Alguém vai batalhar em casa para perder os quilos extra destas férias. Sentados em cadeiras de plástico, no passeio da rua ainda deserta, ouvimos a chapa a estalar enquanto frita a massa, entre buenos dias e bon provecho e conversas de palavras rápidas e gargalhadas esporádicas ditas entre locais.
Se num primeiro momento achamos que não havia muito para fazer na Ruta de Las Flores, num instante concluímos que íamos precisar de mais tempo e adiamos a nossa ida para a costa.
Aqui exploramos cascatas, relaxamos em águas termais a 46°C, fotografamos lagos, visitamos vulcões inativos, perdemo-nos nos parques nacionais, trocamos sorrisos e conversas nas vilas tradicionais, embrenhamo-nos no café e entregamos o nosso coração a El Salvador.
Na Ruta de Las Flores é assim… Vive-se de bem com a vida, no lema da entre ajuda e do bem receber.
Se El Salvador é perigoso? É… perigoso de se querer ficar cá para sempre.