Rabaul… bem melhor e com uma vida social mais ativa do que Kimbe, nasce no meio de uma grande cratera de um vulcão que agora está debaixo de água. Vê-se pelo formato da baía e pela sua constituição que assim foi, há alguns milhares de anos. Em 1994 aquando da primeira erupção, Rabaul deixa de ser capital da província e passa esse estatuto para Kokopo.
No entanto, as pessoas de Rabaul não se esquecem que Rabaul foi, outrora, uma cidade bem mais bonita e maior do que Kokopo é. Rabaul está localizada mesmo na base de 5 vulcões, 3 deles aparentemente extintos, um colapsado e desfeito e o outro, o Tarvurvur, ainda deita vapores sulfurosos. Houveram 3 erupções recentemente: 1994, 2006 e 2014. Dizem que é bastante comum haver tremores de terra de bastante intensidade, mas não nesta altura do ano. Contam histórias da altura da última erupção, como foi e o medo que sentiram. Como um fogo de artifício que nunca antes tinham visto e que trepava pelo céu com uma força incalculável. Contam também que os tremores de terra aqui já são vistos como normais e há alturas que nem se dão conta, só quando veem nas notícias ou no jornal é que se apercebem dele.
O nosso hotel até nem é muito mau, dormimos bem, mas os mosquitos… ai os mosquitos comem-nos vivos! O previpic é uma valente bosta! Devíamos ter trazido o tabard que era mais eficiente. Andamos numa guerra aberta com eles, para os matar, quando vimos para o quarto. O Diogo serve de isco, deita-se nu na cama, muito imóvel e eu quando os vejo a aproximarem-se, apanho-os! Até já dei um estalo ao Diogo porque ele tinha um pousado na barba… pay back time!
O primeiro dia foi passado a mergulhar. Fomos a uma parede cheia de peixes e corais, onde vimos um atum gigante a caçar num cardume de sardinhas que se moviam quase à velocidade da luz, dando aquele efeito de luz prateado e meio espelhado, que muda consoante o movimento delas!
A seguir fomos a um barco afundado que estava cheiinho de macro, só para mim, que adoro!!! O mergulho é muito bom, com menos tubarões que Kimbe, mas de grande qualidade com cores e criaturas diferentes por todo o lado. Mais uma vez fomos os únicos mergulhadores em toda a baía! Um autêntico luxo e exclusividade que são extremamente raros de obter!
O único problema é que quando chegamos a terra, já não havia nenhum sítio onde se pudesse comer… não que houvesse muita escolha, não há! Só mesmo o hotel, cuja cozinha fecha às 14h00 e já eram 15h00, ou o Yatch Club às sextas à noite, que era o caso!
Acabámos por ficar com o Rod Pierce, um tipo super famoso do Travel Channel, de 66 anos, de origens australianas, alemãs e de avó portuguesa com o mesmo sobrenome da mãe do Diogo – Figueiredo, que faz da vida dele encontrar barcos debaixo de água, recupera-los e a seguir vende-los. Ele mostrou-nos o barco, o Barbarian, e o veleiro que ele encontrou e que agora está a recuperar para ficar com ele e viajar pelo mundo fora. Que vidinha a dele! O veleiro vai chamar-se Black Jack (como o jogo de cartas), mas ele queria que se chamasse Black Bitch, mas achou que se ia meter em sarilhos por estes lados. Hahahah!!!
Escusado será dizer que quando lhe disse que eu era arquiteta de interiores, ele pôs-me logo a trabalhar! Disse-me que não tinha jeito nenhum para escolher cores e que tinha pintado o interior do veleiro de cor creme mas que agora não gostava de ver e de facto estava uma bosta total! Parecia vomitado… Mostrou-me as fotos do barco antes de ser afundado, disse-me como ia ser o nome, onde ia ser posto e que ia ser pintado de preto e eu sugeri que ele substituísse a cor creme por um cinza claro, com partes em madeira avermelhada e os pormenores, como as almofadas, uma ou outra moldura das janelas, de burgundy (cor de vinho tinto acastanhado). Ele adorou a sugestão e fomos para o Yatch Club, onde estivemos na net à procura das referências da tinta, enquanto ele nos contava as histórias dele do tempo da guerra, das suas viagens pela Europa, nos anos 70 e das suas descobertas subaquáticas.
O Yatch Club é nada mais, nada menos, do que uma espécie de armazém antigo, sem portas, nem janelas, com mesas e bancos altos de madeira com chão em terra, um balcão em madeira e umas arcas com cervejas, bebidas brancas e vinho foleiro.
No dia anterior tinha ido à casa de banho cá do sítio e lá vi uma mulher deitada no chão, a dormir, no meio da esterqueira (leia-se xixi!), como se fosse normal, sem responder quando lhe disse “good afternoon”, o que me levou a crer que poderia estar morta! Nem queria acreditar quando, sem qualquer aviso, meteu a mão dentro das cuecas, coçou a dita cuja e continuou a dormir! Tirei-lhe fotos e quase fizemos xixi nas cuecas quando contei e mostrei as fotos ao Diogo.
Com o estômago a roncar de fome absorvemos tudo o que o Rod nos ia contando, no seu estilo nativo/estrangeirado, com o seu cabelo loiro e barba por fazer, camisa aberta e calções deslavados, chinelo no pé, dentes sujos e tortos e o seu sotaque forte australiano, que fazia lembrar o Crocodile Dundee, com uns ares de Robert Redford. Enquanto íamos enganando a fome com cervejas e batatas fritas, ouvíamos as histórias dele e contávamos as nossas. Mas comparando-nos com ele, nós somos muito pequeninos ainda. Ele leva um avanço de 30 anos, muitos anos de aventuras no mar!
Entretanto, foram chegando os amigos dele, um alemão, um indiano, um suíço e um inglês que morou em Hong Kong durante muito tempo. Todos eles a morar atualmente na PNG já há algum tempo. Mais cervejas e um shot de tequila para toda a gente, como um sinal de boas vindas a Rabaul para nós, lá nos disseram que às 22h00 dessa noite, daí a 3h, iam partir no Barbarian, à descoberta de barcos e aviões afundados e mergulhar em sítios nunca antes tocado pelo homem!
Já bastante tocados (leia-se podres de bêbedos), convidaram-nos para irmos com eles, insistindo para nós cancelarmos a nossa viagem a Kavieng e que na segunda de manhã estaríamos de volta a Rabaul. Confesso que achei o convite super tentador, uma aventura como nunca teríamos igual! Ainda por cima de borla! Eu cozinhava e o Diogo punha a mesa e estava dado o nosso contributo! Já estávamos super convencidos a ir, com os olhos a brilhar de excitação, quando começamos a fazer as contas de quantos seríamos dentro do Barbarian… O Rod, o indiano, o suíço, o alemão (estes 2 eram claramente um casal!), o inglês, mais 2 fulanos que já estavam no barco e 2 papuenses que iam como empregadas para cozinhar e limpar para eles. 9 pessoas num barco pequeno e eles queriam que fôssemos 11!
O Rod já dizia que punha os outros 2 a dormir lá fora no convés para que nós tivéssemos um quarto para nós. Chamados à força à realidade e muito contrariados, dissemos que gostaríamos imenso de ir, agradecemos o convite, mas achávamos que íamos estar a mais e que íamos incomodar. Foi com muita tristeza que tivemos de recusar e voltamos para o nosso hotel, cabisbaixos, quase sem falarmos um com o outro, a tentar agarrarmo-nos ao facto que ia ser demasiado desconfortável, para nos convencermos que tínhamos feito a escolha certa, mas cheios de vontade de esquecer o facto de que íamos ficar tipo sardinhas em lata e voltar atrás e aceitar o convite sem hesitar e partir nessa grande aventura com o Rod Pierce, o descobridor de barcos e aviões afundados!
Mas vamos ver as coisas como elas são: 11 pessoas num barco onde cabem 6, é demasiado! Foi um convite brutal, feito por quem já bebeu 6 cervejas e 1 shot de tequila, que nunca mais esqueceremos e lamentaremos não ter ido o resto da vida… Iremos voltar um dia pra embarcarmos com ele numa destas aventuras no mar.
Voltamos ao hotel e fomos dormir, a sonhar com a grande aventura que vimos passar à nossa frente e na qual não pudemos embarcar.
A manhã do segundo dia foi passado a mergulhar. Primeiro tentamos mergulhar num avião americano mas os locais cortam as cordas e as bóias localizadoras e depois de 1h a tentar encontrá-lo sem sucesso, passamos para um navio japonês encalhado, baptizado de George, cuja proa se encontrava facilmente aos 12 metros e que se estendia até aos 50. Todo o barco estava preenchido de imensa vida e vimos imensos nemos, frog fish, crocodile fish, nudibranches, moreias, atuns, e os mais variados e coloridos peixes. Um mergulho worldclass sem dúvida! Mesmo assim o meu cérebro estava sempre no Barbarian e no que eles poderiam estar a viver naquele momento.
Depois de 1 hora num barco banana com pingos de chuva ocasionais e com peixes voadores que se mostram à medida que íamos passando em longos voos pela superfície da água, chegamos ao spot do segundo mergulho, um avião japonês, aos quais eles chamam zeros, a 4 metros de profundidade. É uma novidade para nós poder assistir a esta lição de história no fundo do oceano e um acontecimento inesquecível. Ainda era possível ver no interior do cockpit os mostradores redondos e o leme do avião, com peixes, estrelas do mar e coral em volta. Fizemos várias fotografias e vídeos.
A seguir, continuamos o nosso mergulho no resto do recife e encontramos imensa vida subaquática e os nossos amados peixes sapo disfarçados no meio do coral. O coral aqui é do mais bonito que já vimos e extremamente colorido e diverso, semelhante à grande barreira de coral mas com destaque para as mais variadas e coloridas anémonas com imensas variedades de peixes palhaço e camarões, os habituais habitantes desta fortaleza aquática. Um detalhe importante sobre os nossos mergulhos aqui na Papua, é que além da água estar habitualmente a 31 graus em profundidade, é que os mergulhos costumam demorar entre 60 e 75 minutos, ao contrário dos habituais 35 a 45 minutos, o que é excelente, apesar de serem os mais caros que alguma vez fizemos.
Depois fomos almoçar ao Hotel International Gazele, onde o indiano nos disse que estava a trabalhar lá um português chamado Luís Gomes. No entanto, quando lá chegamos, não o encontramos. Tinha ido para uma competição de pesca… mas almoçamos muito bem! Eu comi camarões panados em côco ralado com molho spicy, igual ao do sushi, e o Diogo comeu massa à carbonara! Estavam uma delícia! Deixámos-lhe uma mensagem na receção em português a cumprimentá-lo.
Bem carregados com o saco do equipamento de mergulho, percorremos um longo e penoso caminho até ao mercado de Kokopo, onde éramos as únicas pessoas brancas e onde toda a gente parava para nos cumprimentar e ficavam a olhar para nós como se fôssemos de outro planeta! Até nos deram um banquinho de plástico para nos sentarmos ao lado deles. Uns fofos, estes papuenses!
Decidimos então continuar a nossa viagem como programado, de autocarro local. Os autocarros locais são Toyotas Hiace de 12 lugares onde cabem a muito custo 18 pessoas, mais tudo o que compram no mercado. Apanhamos o autocarro 1A em direção ao mercado de Rabaul que demorou cerca de 1h sentados quase no chão num caminho cheio de buracos. Mesmo assim é uma experiência que não trocávamos por nenhum táxi ou carro luxuoso.
A alternativa é pagarmos uns 200 kina (55€) em vez de uns míseros 6 Kina os 2 (1,5€) e irmos dentro de um jipe com ar condicionado e sem piada nenhuma… não teríamos tantas histórias e recordações como temos, de certeza. Quando chegamos ao mercado de Rabaul, depois de alguma luta para conseguirmos entrar, lá apanhámos o “autocarro” 7A que ia para o Hotel Rabaul, o nosso destino final. Quando chegamos o sol já estava a pôr-se. Apesar da Papua Nova Guiné não ser segura à noite, Rabaul é aparentemente mais soft mas mesmo assim não é recomendado andar a pé a partir das 19h, por precaução. Durante o dia é muito tranquilo e seguro e sem dúvida os “autocarros” são o meio de transporte de eleição e mais eficiente sendo seguros e baratos, além de divertidos porque todas as pessoas são extremamente simpáticas, amáveis e prontas para ajudar.
O Tarvurvur… oh o Tarvurvur!! O vulcão adormecido de Rabaul. A deitar vapores sulfurosos, ergue-se castanho e preto, entre os dois extintos, crescendo sobre a baía onde paira uma calma e onde o mar não conhece ondas, apenas o borbulhar da água escaldante do interior do vulcão. Baía esta cheia de cores amarelas, verdes, pretas, vermelhas e laranjas, graças ao enxofre, contra o azul do céu e o verde das palmeiras. Que vista incrível, absolutamente hipnotizante e inesquecível! O borbulhar da água e o chilrear dos pássaros, o vapor sulfúrico que nos queima a garganta e os olhos, serão os nossos companheiros nesta caminhada de 8km até ao cume, através de cinza e pedras pretas, ora grandes, ora pequenas, ora gigantes e assustadoras, ora tão pequenas como terra, gastas e trabalhadas pela lava, como facas tão afiadas que respiram agressividade.
O caminho da subida é pesado mas a vista é fabulosa e nas nossas paragens para recuperar forças, parece que estamos noutro mundo ou numa superfície lunar.
Quando chegamos ao cume, a vista rouba-nos o fôlego! Vapores esverdeados, terra amarela esbatida de branco e manchada de preto, enchem o ambiente que bem podia ser em Marte! Saltamos de alegria quando chegamos ao topo. Ao nosso redor, só vapor, castanho, preto e amarelo em contraste com o azul do céu! Êxtase!!!
Optamos por ir a outro pico, ainda mais alto mas que o nosso guia, o Isaac, garantia ser o melhor. Vamos lá subir mais uns metros. Suados e cansados (a pingar água do queixo e cotovelos, com bolhas de água de segurar no cajado que o Isaac nos deu logo à chegada), paramos para apreciar tudo à nossa volta, respirar fundo, tentar repor as energias, tirar todo o tipo de fotos possíveis (claro que não nos esquecemos do clássico salto!) e ganhar forças para o que vinha a seguir: a descida!
Depois de conversarmos e tirarmos as fotos todas a que tínhamos direito, começamos a descer. Como devem imaginar, a descida é muito mais difícil do que a subida, mas nunca pensei que fosse tão difícil. Houve várias alturas de derrapanços, pedras a ceder e que ganhavam lanço até uns valentes metros abaixo. “Essa vou ser eu não tarda nada!”, pensei eu. Cheguei a dizer ao Diogo que não conseguia descer e tinha a certeza que se me mexesse um milímetro, rebolava até lá baixo. Ia partir-me toda! Mas passinho a passinho, muito devagarinho, fui descendo com calma, agarrando-me a tudo o que me parecia minimamente seguro e às vezes ao que não era nada seguro… várias vezes, as pedras cediam e deslizava um metro, numa inclinação a pique, com descargas de adrenalina que me punham a tremer e com o coração na garganta!
A meio já os joelhos tremiam e tinha as pernas que nem gelatina. O Diogo só me dizia para ir a correr (é louco, pensei eu) e que se estivesse sozinho já estaria lá em baixo há imenso tempo! De vez em quando lá escorregava, mas estava tudo bem. Ainda se magoou num calcanhar mas tudo passou quando deitou um bocado de agua sulfurosa na ferida. Conta a lenda que o Tarvurvur é protegido por um deus que tem cabeça de homem e corpo de serpente, que protege quem visita o vulcão. Sim, claro! De certeza!
Bem, foi uma alegria só quando me vi cá em baixo!! Dei pulos, dancei e cantei! Tinha conseguido! Talvez tenha sido o homem serpente a ajudar… claro está!
Apanhamos as nossas pedras de souvenir para a nossa estante e fomos para o hotel, tomar o pequeno almoço, um banho e dormir até ser hora de ir para o aeroporto. E a verdade é que caímos para o lado mal chegamos ao quarto de tão cansados que estávamos.
Que excelente forma de festejarmos os nossos 8 anos de casados!
Chegada a hora de dizer adeus a Rabaul, foi também hora de fazer contas e mais uma vez no Hotel acrescentaram mais uma série de armadilhas para tentar sacar o último cêntimo ao parolo do turista. Não tiveram sorte connosco, de onde eles vieram já nós andámos há muito!!
No entanto já não tínhamos mais kinas e era domingo (bancos fechados) pelo que nos acrescentaram uma taxa de mais de 25% de comissão inventada à pressão. Em 40€ obtive o equivalente a 28€!!! Mesmo assim bem melhor do que os 200 kina que nos pediam no hotel. Pagamos no total 10kina os dois, metemos conversa com os locais e tiramos fotos com eles.
Apanhamos boleia à porta do nosso hotel numa carrinha de caixa aberta, tipo pick up, que nos deixou no mercado de Rabaul, onde tivemos de dar uma corridinha para apanhar o autocarro 1A até ao mercado de Kokopo e de seguida o 9A até ao aeroporto. A viagem durou 1h10 em vez dos confortáveis 55min no carro luxuoso…
O aeroporto é, mais uma vez, um desterro, sem a segurança mínima, que nos preocupa e nos deixa minimamente apreensivos, atentos e desconfiados. Como não tínhamos como calcular quanto tempo iria demorar do hotel até o aeroporto, tivemos de sair com 4h00 de antecedência, contando com as já usuais 2h00 antes do vôo, mais outras 2h00 para a viagem que acabou por durar metade. Com 3h00 pela frente, sem nada para nos entreter, eu fui escrevendo estes posts e o Diogo jogou Super Mario no telemóvel dele.