A terra encantada do sul de áfrica. O misticismo para quem percorre as dunas do deserto de Sossusvlei, quem medita debaixo das árvores secas do Deadvlei, quem conduz na Skeleton Coast, quem fotografa um elefante a beber água, quem ouve os cânticos tribais dos JoHoansi e quem presencia o magnifico pôr do sol africano.
Debaixo do sol tórrido, só areia. A perder de vista. O céu azul abraça as dunas que recolhem o Deadvlei. Ali, no chão cicatrizado pela secura do calor que faz a pele estalar, estamos nós. Sentados na areia. Sinto nos dedos o chão seco e duro. Há muito que deixou de ser areia leve para ser uma camada de terra compactada e cheia de sulcos. Estico as pernas e deixo cair a cabeça para trás. A sombra da árvore ao meu lado protege-me dos raios do sol. A sua sombra parece trazer tranquilidade. Vejo o Diogo no topo da duna. Vai começar a descê-la a correr. Preparo-me para filmar a queda aparatosa que sei que ele vai, muito provavelmente, dar. Ouço-o ao longe a dar gritos de guerra e a festejar enquanto corre duna abaixo. A duna é tão grande que os seus sons chegam atrasados até aos meus ouvidos.
Inacreditavelmente não cai. Chega cá baixo com um sorriso de orelha a orelha. Olho para ele, parece uma criança. “Viste-me? Viste-me?” Sorrio-lhe com a mão a tapar os olhos para o ver melhor a sua silhueta contra o sol. Deita-se ao meu lado e respira fundo, de contente. Vemos poucas pessoas a percorrer a crista da duna com alguma dificuldade. É o que acontece quando se escala na areia… damos três passos à frente e dois para trás. O caminho é lento e doloroso, mas a vista lá de cima… essa é impagável. Temos de parar muitas vezes pelo caminho para tirar a areia que se acumula dentro das sapatilhas e para beber água e descansar. Aproveitamos para tirar fotos, fazer vídeos e palhaçadas. Sentamo-nos na areia outras tantas vezes com vontade de desistir da batalha contra a areia.
Uns minutos mais tarde, levantamo-nos daquele chão ressequido para nos fazermos à estrada. Tiramos as fotos do costume e fazemo-nos à estrada. A caminho da Skeleton Coast, fizemos as nossas paragens em Walvis Bay, Swakopmund, Hentiesbaai até Cape Cross. Aqui existe uma colónia de lobos-marinhos. Uns dormitam, outros reclamam da proximidade dos vizinhos, outros de fome. Uns nadam e surfam as ondas da baía, outros ressonam à sombram. Uns são simpáticos, outros nem por isso. Há leões marinhos de todos os tamanhos, uns vivos e outros mortos, com a carcaça já seca, só resta a pele.
Entramos na Skeleton Coast, assinando um documento de entrada e fazemos a estrada sozinhos. O dia todo, sozinhos. Não vemos ninguém na estrada. Vemos um coiote aqui e acolá. Mais nada. O céu está ligeiramente encoberto, mas umas horas mais tarde, mais perto da hora do almoço, começa a abrir. As dunas brancas refletem o sol, encadeando-nos. Achamos boa ideia sair da estrada principal e percorrer uma estrada secundária, ainda em asfalto que nos leva até à praia. Queremos ir almoçar ali, junto ao mar, com aquele manto branco, o céu e nós. De repente, o carro simplesmente para. Abro a janela. Está atolado em areia. Nabos! Não sabemos mexer na caixa de velocidades do jipe. Saímos do carro e começamos a tirar a areia à volta dos pneus. Tentamos tirar o carro, mas ele só entra na areia cada vez mais. Agora está com os pneus totalmente dentro da areia e esta já chega à portas. O desespero instala-se, com o pânico a dar sinais de si. Avaliamos as possibilidades, questionamos possíveis problemas, preparando-nos para o pior e decidimos caminhar até à estrada principal. Estimamos cerca de 5km até à estrada principal. São agora 14h, temos 1h de caminho até lá (onde ninguém passou a manhã toda) e o sol põe-se às 18h. Chegamos lá às 15h e no máximo às 16h temos de voltar para trás, para garantir que chegamos ao carro, para pernoitar, antes do cair da noite. Temos um intervalo de 1h para passar alguém na estrada.
Connosco levamos barras de cereais proteicos, um lenço para a cabeça que nos protege do sol tórrido, os dois telemóveis, que não captam rede nem são sinal de vida para chamar a emergência, e uma pá. Sim, uma pá. Não sabíamos que perigos corríamos a andar a pé por ali e por isso pretendíamos ir minimamente protegidos. Fizemos o caminho até à estrada a passo apertado. Sabíamos que não tínhamos muito tempo e também que as nossas chances de ver outro carro eram escassas. Foi quase a correr que fizemos os 5km. O único ser vivo que vimos foi uma borboleta que passeava por ali. Quando chegamos à estrada, estávamos esgotados.
Pousamos o rabo numa pedra e tentamos recuperar o fôlego. De repente, vemos um jipe ao longe a vir na nossa direção. Nem queríamos acreditar na nossa sorte… Saltamos da pedra, começamos a abanar os braços no ar e a pedir bem alto para pararem. Era provavelmente a nossa unida hipótese de termos ajuda naquele dia. O jipe passa por nós sem abrandar e ao passarem por nós, gritamos os dois “HELP!”. O jipe trava a fundo e para uns metros à frente. o Diogo pousa a pá e vai até ao carro para explicar o que se tinha passado. Muito amavelmente, deram-nos boleia até à vila seguinte (a 23km), onde só encontramos um homem no meio de alguns casebres abandonados. Era o ranger dali, mas estava sozinho, não tinha telefone nem carro. Não nos podia ajudar.
Seguimos caminho até à vila seguinte (a 48km dali) e conseguimos encontrar 3 homens que viessem connosco. Despedimo-nos dos nossos salvadores (tirando fotos a nós com os homens e o jipe que nos daria boleia, para ficar registado caso nos acontecesse alguma coisa) e seguimos caminho. No caminho, entre conversas sobre futebol, religião e os nossos países, o condutor pergunta-nos onde está o nosso carro. Explicamos que tínhamos entrado por uma estrada secundária e que o carro tinha ficado atolado a 5km da estrada principal. E ele pergunta “Vocês andaram a pé 5km?” “Sim! Não custou assim tanto…” “Não tiveram medo dos leões?” “Quê???!!!” Ele conta que naquela zona andam duas leoas a patrulhar a área à procura de comida e a julgar pelo quantidade de animais que vimos, a comida é escassa. Um petisco como nós, devia ter-lhes sabido muito bem. Nem queríamos acreditar…
Quando chegamos ao corte onde tínhamos entrado com o carro, foi num instante que chegamos ao carro. Lá ao lado estava um coiote a cheirar tudo, possivelmente à procura da comida que tínhamos dentro do carro. Eles lá nos ajudaram a tirar o carro da areia e foi em 5 minutos que o carro estava apto a andar. O sol já estava quase a tocar no horizonte e nós sabíamos que até ficar noite tínhamos de estar fora do parque nacional. Tarefa perdida, na certa! Demoraríamos cerca de 1h a chegar lá e a noite caía daí a menos de 30 minutos. Toca a despachar e a acelerar. Despedimo-nos com o pagamento da ajuda e com acenos e um “até breve” “esperemos que não!” Risos.
Quando chegamos ao nosso porto de abrigo, já a noite ia longa. Estava tudo fechado e não se via viva-alma. Chamamos, apitamos, tentamos abrir o portão. Lá conseguimos entrar, a medo, não fossemos mal recebidos por estarmos a invadir a propriedade. Aparece uma pessoa que nos acolhe. Passamos a noite em sobressalto por causa do vento e sons estranhos.
No dia seguinte partimos para alguns dias no Etosha, para fazermos o tão esperado safari na Namíbia. Vimos elefantes, girafas, gazelas, gnus, inúmeros pássaros… a paisagem é linda e esconde várias espécies. O comum mortal saberá que é nos pontos de água que podemos ver os animais. Então era nesses sítios que nós parávamos. Apareciam animais de todos os lados para beber água. Sempre em estado alerta, nervosos e assustadiços, uns avisam os outros de possíveis perigos e dificilmente as espécies se misturavam.
Mas o ponto alto desta viagem ainda estava por acontecer. Quando abandonamos o Etosha, viramos as rodas em direção ao Botswana. Queríamos ir quase até à fronteira, até Tsumkwe. Era este local que nos tinha feito mudar de destino e optar pela Namíbia. Aqui escondia-se a tribo Jo’Hoansi, uma tribo cuja linguagem é tão estranha quanto peculiar. Falam com sons estranhos, com estalinhos de língua e vivem do que a natureza lhes dá. Caçam e colhem sementes e produzem a sua própria comida e medicamentos naturais. Partilhamos momentos únicos, ouvimos as suas histórias, traduzidas pela única pessoa na tribo que falava inglês. Estávamos sozinhos com eles. Só nós os dois e estas pessoas encantadoras, genuínas e tão diferentes de nós mas que em determinados momentos eram exatamente iguais. Riem-se das mesmas coisas, querem o mesmo que nós e anseiam pelo mesmo.
Assim é a vida na Namíbia.