Najaf

Julho 2021

Viro-me na cama para evitar o ar condicionado na cara, tenho o nariz seco. O despertador toca às 7:30 e meto-me debaixo do duche. A água não sai fria, aqui não há água fria nos canos.

Lá em baixo, o tenente Abdul espera-nos sorridente. Está orgulhoso de mostrar o seu país e temos a sorte de nos levar a visitar e a comer aos sítios certos, onde só os locais vão, os melhores sítios da cidade. Hoje precisamos de arranjar a Canon porque um dos micro parafusos que suportam o ecrã desapareceu. Foi uma questão de minutos. Em Portugal esta reparação teria durado mais de 1 mês. Aqui foi imediato e no final não nos deixaram pagar. Jamais nos cobrariam, “o que iríamos dizer sobre o Iraque quando chegássemos a Portugal?!”.

Este povo é doce, prestável. Têm sempre uma piada, uma palavra amistosa. Nos checkpoints o Abdul diz que somos portugueses e dizem logo “Cristiano Ronaldo” e sorriem. Dizem logo para passarmos, nem precisamos de mostrar o passaporte. Obrigado Cristiano por seres o melhor free pass de sempre. Ele nem imagina que isto se passa, alguém lhe devia dizer. 

No entanto, as tradições são duras. Na maioria das cidades os homens têm que usar calças compridas e as mulheres, as desgraçadas das mulheres, apenas podem expor a cara e as mãos. A burka negra atrai o calor, não bastavam os 50 graus à sombra do Verão escaldante.

A Filipa descreve a sensação como insuportável. Ao sol a temperatura ultrapassa os 70 graus, a mesma temperatura a que se cozinha lentamente uma carne tenra no forno. Não conseguimos aguentar muito tempo a caminhar no exterior.

Com o ar condicionado do carro orientado para a cara, dirigimo-nos ao cemitério sagrado de Najaf. Todos os xiitas têm que ser enterrados aqui. Sim, todos. 

O espaço é interminável, seriam precisos dias para percorrer toda a sua extensão. Pelo caminho, avistamos o mar de Najaf, um enorme lago de água salgada que dá nome à cidade: “mar que desaparece”. O lago muitas vezes desaparece e aparece novamente sem que entendam como. Paramos para certificar-nos que a água era salgada e tentarmos algum ar mais fresco, sem sucesso.

Ao contornarmos os muros do cemitério, apercebemo-nos da quantidade de plástico e lixo que existe por toda a cidade. Todo o Iraque está mergulhado num mar de plástico. Tudo desde talheres, pratos, garrafas, são de plástico e envolvido com plástico.

Os locais não se importam nada e deitam pela janela as garrafas de água que acabaram de beber. O país está perante um problema grave e ainda não se apercebeu. Apesar de estarem mergulhados em plástico até ao pescoço, parece que nada se passa e está tudo bem. 

Pelo caminho, a venda de garrafões de água cor de rosa chama a nossa atenção. Trata-se de água perfumada feita a partir de flores, para perfumar as campas. Usam a água e adornam as campas empilhadas umas nas outras porque aqui o espaço escasseia, apesar da imensidão do espaço.

As famílias têm de comprar o seu espaço a peso de ouro e existe todo um negócio de coveiros, campas e adornos a ladear a entrada do cemitério. Entramos no labirinto apertado, de carro, e percorremos durante mais de uma hora uma pequena parte dos por vezes estreitos caminhos ao som dos textos do Corão que as campas dos mais abastados emitem.

O plástico reveste o chão de todas as estradas, as rodas do carro esmagam ainda mais as garrafas contra o chão. Parece por vezes o som da água a bater contra o barco enquanto desliza sobre a água. As campas estão empilhadas umas sobre as outras. Algumas têm mais do que dois andares e outras têm túneis subterrâneos onde se encontra toda a família enterrada.

Há fotografias da maioria das pessoas nas campas, muitos deles jovens soldados que morreram como mártires nas diversas guerras que assolaram o território nas últimas décadas. Tal como no Irão, há cartazes pelas estradas a relembra-los e honrá-los, não apenas no cemitério.

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