COMO PERDER O MEDO DE MERGULHAR COM TUBARÕES
Existe toda uma vida antes de 2014, antes da viagem à Micronésia, mais especificamente Palau. Antes de ir já sabíamos que era uma área protegida para tubarões e que era um destino perfeito para quem quer mergulhar com tubarões. Mas eu, Filipa, não queria. Tinha muito medo de tubarões e apenas poucos anos antes até do mar tinha medo. Entrar num mar com água acima do umbigo, para mim, era impensável.
Qual é a única forma de vencer os nossos medos? Encarando e ir bem devagar. Paciência, exercícios de respiração e tempo são a resposta. Tive a sorte de ter um marido que nunca largou a minha mão, que me apoiou quando disse que não queria, que não ia e que me amparou nos ataques de pânico. Sim, tive muitos e o Diogo sempre esteve ao meu lado. Se foi fácil de perder o medo de mergulhar com tubarões? Não, não foi, mas valeu muito a pena!
De 2010 a 2014 fui gradualmente ganhando confiança, lendo e vendo documentários sobre tubarões (desliguei os filmes de Hollywood) e os meus preconceitos foram adormecidos. Até chegar à Micronésia. Entrei na escola de mergulho: “eu quero mergulhar, mas não quero ver tubarões!”. O fulano sorriu e disse “Aqui sempre que mergulhares não vais ver um tubarão, dois ou três… vais ver dezenas. Não há como fugir, estão por todo o lado!” O meu coração parou de bater. Estou numa ilha onde não há nada para fazer a não ser mergulhar, não posso fugir desta realidade e olho para o Diogo e ele parece uma criança aos saltos de alegria porque ia ver tubarões… “ele é tolo!”, pensei eu, fazendo uma nota mental que o teria de internar quando voltássemos a casa.
Mas combinei tudo com o Diogo! Ele entrava primeiro (seria ele o isco para os tubarões) e se houvesse tubarões na água, eu ficaria no barco. Outro acordo que fizemos foi ele nunca largar a minha mão e não sair da minha beira (para eu o usar como escudo caso fossemos atacados). Ele concordou (maluco…). Combinamos também que sempre que ele visse um tubarão fazia o sinal de tubarão e apontava para onde estivesse e eu só olharia se quisesse. (É um bom plano… para morrer!)
No momento de entrar na água, o Diogo entrou, olhou para baixo e disse que não estavam tubarões em lado nenhum. “Tens a certeza?”, a minha alma berrava-lhe, mas tentei parecer calma. Sentei-me na beira no barco, de costas para o mar, com uma mão agarrei a máscara e o bocal e com a outra segurei no bcd (colete que segura a garrafa de oxigénio). Baixei a cabeça, olhando para o chão do barco. “Hoje é o dia da minha morte!”, nunca mais me vou esquecer desta sensação. Uma sensação de descontrolo, de desamparo, coração a bater nas costelas com força, falta de ar, pernas a tremer e o meu cérebro a produzir listas de ações possíveis contra ataques de tubarões (se ele vier assim, faço isto, se ele vier assado, faço aquilo, etc).
Respirei fundo e deixei-me cair para trás, segura que era a ultima vez que via o sol. “seja o que Deus quiser… tenho mais pessoas no grupo, só me ataca a mim por azar.” Olhei para o Diogo já debaixo de água e ele veio ter comigo e deu-me a mão. Tenho a sensação de ver um dos guias a sorrir para mim, devia estar a pensar que eu era tola. “Tola sou por estar a fazer isto!”, apetecia-me gritar-lhes a todos que eram doidos, que íamos todos morrer e que não ninguém sobreviveria para contar a história.
O Diogo deu-me a mão e eu agarrei o braço. De unhas cravadas no braço dele, fui fazendo este primeiro mergulho a olhar apenas para os corais. Sempre que aparecia um peixe maior do que 10 cm eu assustava-me (e o Diogo ria-se). Quando apareceu o primeiro tubarão, o Diogo fez conforme combinado: o sinal de tubarão e apontou. Mas a curiosidade matou o gato, não é? E tive de olhar. Tinha de ver. Tinha de saber onde estava, o tamanho, a velocidade a que nadava, ver os dentes, os olhos pretos do bicho papão.
Mas… ele nadava tão longe que quase não o conseguia ver. Soltei o ar dos pulmões. “Ok, este estava longe.” Ao sinal seguinte, olhei de novo. Estava mais perto. Era relativamente pequeno e brilhante. Os feixes de luz do sol que percorriam a água batiam-lhe na pele e ele cintilava. Nadava devagar e quando o grupo começou a nadar na direção dele, ele afastou-se à mesma velocidade que o grupo se aproximava mantendo a distância de segurança que ele entendia como prudente.
Lembro-me de pensar “Não é assim tão assustador…” Na minha cabeça um tubarão nada contra as pessoas, para as afastar, para as morder e para as comer. Um tubarão é agressivo, é possessivo do seu território. Mas este nadava tranquilamente, não estava a comer peixes (nem pessoas, graças a Deus) e não tentou nos expulsar. Soltei um pouco o braço do Diogo, coitado já nem devia ter circulação sanguínea e tinha certamente os dedos dormentes.
Num dos avistamentos de tubarão, um deles passou bem mais perto de nós (pobre criatura estava a dezenas de quilómetros de nós) e já deu para ver melhor o tamanho e os olhos. Não era muito grande, devia ter cerca de um metro e meio, mais pequeno do que eu. O braço do Diogo começou a conseguir nadar sem uma lapa agarrada a ele. Estava a começar a sentir-me confiante e estava na hora de terminar o mergulho. Começamos a subir e quando entramos no barco, reparei que as minhas pernas e mãos tremiam, mas não estava com medo. A adrenalina percorria o corpo como forma de libertação de emoções. Sentei-me na parte de trás do barco, pensativa. Isto mudava toda a forma como eu tinha idealizado estes animais. Enquanto olhava para o horizonte, fui analisando aquele mergulho e o que tinha visto e sentido. Todos estavam excitados com os tubarões que tinham visto e trocavam fotografias, momentos que não esqueceriam. Eu apenas olhava para o horizonte, calada, em diálogo comigo própria. Sentia o meu medo de tubarões a dissipar-se, sem conseguir encontrar nenhuma razão que pudesse justificá-lo. Respirei fundo e disse-lhe adeus mentalmente.
Nos mergulhos seguintes, fui largando o Diogo gradualmente, para ver um coral aqui e acolá, um peixe que se mete comigo ou para descobrir espécies escondidas, aprofundando as minhas capacidades num dos tipos de mergulho que gosto mais de fazer (macro dive, mas isso é assunto para outro capítulo). De vez em quando aparecia um ou outro tubarão, mas nadavam sempre tão longe que quando o Diogo me fazia sinal, eu olhava e dizia-lhes adeus mentalmente. Continuava à procura do que estava à minha frente e o facto dos tubarões estarem a passar a mais de uma centena de metros, não me incomodava. Ia olhando para o azul escuro de vez em quando, desconfiada que poderia aparecer um das profundezas e morder-me o rabo mas isso nunca aconteceu.
Quando comecei a nadar sozinha, passados alguns dias, estávamos a cerca de 25 metros de profundidade quando vemos uma família de tubarões a rabiar no fundo do oceano, que estaria perto dos 50 metros. Era um número considerável de tubarões, mas a visibilidade era excelente, clara e cheia de luz. Era um canyon e todo ele estava iluminado. Começo a ver que um deles começa lentamente a subir em direção a nós. Agarro imediatamente o braço do Diogo. Ele tranquiliza-me, mas ele continua a subir, direto ao grupo. O meu cérebro fica turvo. Já não vejo, já não penso, só quero fugir. Quando está a cerca de 5 metros de nós, dirige-se diretamente a mim. Vejo o Diogo a fazer-me sinal para me acalmar que está tudo bem. Eu só vejo a morte. Não consigo respirar (obviamente!) e começo a espernear para assustar o animal, que se aproxima da minha pessoa. É pequeno, muito pequeno, mas não sei o que me vai fazer. Quando ele está a uns 2 metros de mim, dá uma volta de 180º e afasta-se. Vejo-o a afastar-se e o Diogo a rir-se de mim.
Quando chegamos à superfície, uns 10 minutos depois, eu estava furiosa e não queria mais mergulhar. Ia ficar no quarto o resto dos dias. O meu coração batia descompassadamente e eu não sabia como me acalmar. Quando o Diogo pôs a cabeça fora de água, só se ria de mim. “Vês como é perigoso, Diogo?”, berrava-lhe. E ele só se ria, até que disse “aquilo não era sequer um tubarão! Era uma rémora! Tu és o máximo!” Eu parei. “Como assim era uma rémora?! Ele vinha directo a mim!”, “Pois veio, porque se queria colar à tua barriga e coitado apanhou o susto da vida dele, mas não era um tubarão, era uma rémora. Pobrezinha!”. Não queria acreditar. Fui ver ao livro que eles têm na escola, uma espécie de bíblia, um dicionário de todas as espécies marinhas. Depois de verificar todos os tubarões que tínhamos visto (tubarões de recife, essencialmente, que são pequenos), era sem dúvida uma rémora porque tinha apenas cerca de 40 cm. Mas o meu cérebro não tinha espaço para pensar naquele momento… vi um grupo de tubarões e de repente um deles vem direto a mim…
Podemos concordar que qualquer comum mortal faria cocó nas calças?!
Se perdi o medo de tubarões? Perdi sim e ganhei muito mais do que o que perdi. Perder este medo de mergulhar com tubarões fez-me ver o mar com outros olhos. O medo deu lugar a curiosidade e essa curiosidade leva-me a descobrir um mundo que já me fascinava mas o medo de tubarões bloqueava-me.
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4 Responses
Coitada da rémora 😂😂
Lembro-me que quando nadamos com taburões baleia nas Filipinas, também estava cheia de medo. O Tiago foi o primeiro a entrar na água, eu inventei mil desculpas para não ir…ele dizia ‘não sabes o que estás a perder, é incrível debaixo de água… é uma oportunidade única, etc’.
Depois de ele e o nosso guia tanto me chatearem, acho que a curiosidade foi maior 😄
Sabes que mal entrei na água, o raio do tubarão baleia enorme de passou mesmo abaixo das minhas pernas, eu encolhi-me toda a sustive a respiração 😂 ao fim de algum tempo lá percebi que não era assim tão perigoso. Hoje olho para trás e digo, ainda bem que entrei na água, foi incrível!❤️
Se nadar com tubarões é fantástico, nadar com tubarões baleia é mais ainda. São uns gigantes fofinhos!
Tubarões vimos nas Maldivas e nas Galapagos. Também tenho medo, mas sei que eles não nos ligam muito. Como dizia o instrutor de snorkelling nas Maldivas: “eles têm o mar cheio de peixinhos que gostam e vão querer dar-te uma dentada?!”
Isso é tão verdade! Seria a mesma coisa que nós começássemos a atacar cães e gatos na rua quando temos fome.