De manhã, acordámos às 6h00 para nos prepararmos para começar o nosso caminho até Uyuni. A agência foi-nos buscar ao hotel e levou-nos a um sítio para tomar o pequeno almoço. Tomámos todos um chá de coca, que dizem ser terapêutico e ajuda a melhorar o síndrome de altitude.
Passámos pela fronteira no Chile, onde nos carimbaram o passaporte de saída deste país (depois de quase 1h na fila) e mais tarde, já do lado de lá da fronteira, parámos para nos carimbarem a entrada na Bolívia, sempre acompanhados pelo vulcão Licancabur, um vulcão extinto gigante. Aqui já estávamos a 3800 km de altitude e foi a mim que me custou mais. Comecei a sentir falta de ar, a cabeça demasiado leve, não sentia as mãos, estava zonza e tinha a sensação que ia desmaiar de 5 em 5 segundos. Tive de me sentar no jipe e dar umas respiradelas na garrafa de oxigénio para recuperar. O motorista deu-me um frasco com uma máscara para eu respirar e eu assim fiz.
A nossa primeira paragem foi na Laguna Blanca (por ser toda totalmente branca e cinza), uma lagoa cheia de sal e gelo a 3400m de altitude, rodeada de vulcões castanhos, extintos, que se impunham à nossa frente e rasgavam o céu. Eu nem saí do carro! Sentia-me super fraca e já nem conseguia segurar o frasco do oxigénio, porque não sentia as mãos e os ante-braços. Senti-me como uma velhinha, inválida, dependente de outros até para respirar! Até que a Sandra veio e segurou ela no frasco, carregando no topo, libertando um gás frio com um cheiro estranho para dentro do meu nariz. Foi aí que me apercebi que até esse momento não estava a respirar oxigénio coisa nenhuma! Uma patetinha alegre, eu!
Seguimos caminho até à Laguna Verde, bem mais bonita que a anterior. Esta refletia o Licancabur (de cor castanho chocolate, imponente) e tinha duas cores: castanho e verde com terra cinza claro a toda a volta. Maravilhoso! Tirámos fotos, fotos e mais fotos, de todos os ângulos possíveis!
Avançamos para a próxima paragem: as termas do “Sol de la Mañana” a cerca de 4300m. O Mário e o Diogo disseram logo que iam tomar banho, apesar do frio que estava cá fora… 5 graus, com vento! A água, sendo termal, estava a 38 graus, mas o problema põe-se quando se sai da água, molhado e quente, com 5 graus cá fora e um vento que gela a espinha! Para mim não, obrigada! Dispenso.
A Sandra e eu fomos até à laguna ali ao lado tirar fotos aos flamingos. Eu já me sentia muito melhor! Acho que o meu corpo precisava de se habituar à altitude. No entanto, a caminhada até à lagoa, que apesar de ser curta, cerca de 150metros, foi esgotante e a Sandra começou a sentir-se mal e, mal chegou lá, achou melhor ir para o carro. Aqui, o mínimo esforço é demasiado e ficamos cansados com um simples baixar para tirar uma foto melhor. O oxigénio não chega ao cérebro e ficamos cansados, com falta de ar e zonzos. Nem pensar em dizer uma frase mais comprida sem parar a meio para respirar! Para dizer uma frase tipo “Logo à noite, depois de jantar, podemos ver as fotos todas de toda a gente para vermos se estão boas.” parávamos 2x para respirar, mínimo! E entre respirações não fazemos os habituais 2 segundos de pausa… é sempre seguido! Mal expiras, já estás a inspirar de novo. E até isso é cansativo.
Mas eu tentei ir o mais perto possível dos flamingos e tirar as melhores fotos. Tão longe que fiquei com as botas metidas em água e sal a tapar a altura da sola toda. Mas, apesar de ter ficado com as botas todas cheias de lama de sal, tirei fotos brutais!
Voltei para trás, o mais devagar que consegui, muito lentamente, mesmo a passo de caracol, e fui tirar fotos aos meninos que ainda estavam dentro de água, todos contentes, como crianças. Fizeram poses e tirámos várias fotos. Quando eles saíram da água, disseram que não estava assim tanto frio, mas vestiram-se rápido!
Era hora de almoço e tenho a dizer que almoçar com uma vista daquelas é uma experiência que nunca mais vou esquecer! Era lindo, lindo, lindo! Com tons de rosa, branco, verde, beje, azul, castanho, cinza… com os flamingos de bico preto a cantar e a abrir as asas rosa forte para se esticarem… não há palavras neste mundo para descrever.
A Sandra não conseguiu almoçar porque se sentia cansada e com dores de cabeça e foi para o jipe descansar. Quando terminamos de almoçar o Mário apercebeu-se que tinha perdido o telemóvel e os meninos ainda andaram à procura dele, sem sucesso. Pedimos ao Félix, o nosso motorista, que quando chegássemos aos geysers, que perguntasse aos outros guias se alguém tinha encontrado o telemóvel. Assim foi. Após percorrermos o caminho que nos levou ao ponto mais alto destes 4 dias, 4800m de altitude, o Mário encontrou logo uma mulher que tinha encontrado o telemóvel dele. Motivo para festejar!
Os geysers pareciam panelas de pressão, a largar fumo a uma pressão tal que até o chão tremia! Ao lado das fumarolas haviam pequenas poças de lama a escaldar que borbulhavam, algumas chegavam a atirar lama a mais de um metro de altura. O Félix disse que já muitos turistas morreram ali porque se aproximam demasiado das poças para tirar a melhor foto e a terra desaba e caem lá dentro. E terminou a história com “turistas muy estúpidos!”
Tirámos dezenas de fotos, fizemos dezenas de vídeos, saltámos (que quase nos tirou o fôlego todo), tirámos fotos panorâmicas e muitas selfies! O Félix teve de nos chamar para virmos embora…
Passámos pelo deserto do Salvador Dali, com umas formações rochosas meias estranhas, bem ao género do Dali, mas optámos por não parar e seguir caminho para a Laguna Colorada, a lagoa mais bonita que eu já vi! Com os seus tons infinitos de vermelhos, desde o tijolo até ao vermelho sangue, os verdes, rosas, brancos pretos e cinzas, dos beges aos castanhos chocolate, a contrastar com o céu azul forte, e intenso devido à altitude, e o rosa dos flamingos todos que por ali andavam… se a Laguna das termas já era indescritível, esta era fora deste mundo! A sensação de olhar para esta paisagem foi avassaladora e só apetecia tirar fotos de todos os cantinhos desta Laguna, apesar de depois parecerem todas as fotos quase iguais.
Foi com muita pena que dissemos adeus à Colorada e fomos para o “refúgio “, como eles lhe chamam, que seria o nosso hotel por esta noite, que ficava a 1km dali, ainda tendo vista para lá.
Quando lá chegámos, parecia que tínhamos chegado ao Afeganistão! Era tal o desterro que nos preocupou. Mas a qualidade dos quartos não era assim tão má, apesar das casas de banho serem partilhadas e de não haver duche de água quente nem toalhas para ninguém! Quando fui ao wc para lavar as mãos, a água estava tão fria que até a alma me congelou. Tinha de molhar, tirar, apertar os dedos para aquecer, voltar a molhar e repetir o processo umas 5 vezes até conseguir ter as mãos lavadas. Quando o Mário disse que ia tomar um duche, eu nem queria acreditar… mas quando ele saiu do banho com a cabeça molhada….. COMO ASSIM????? Se fosse eu, meu cérebro congelava para sempre! Não… essa nunca seria eu! Se para lavar as mãos foi o que foi, imagina lavar o corpo, quanto mais pôr aquela água, a 5 graus no máximo, na cabeça! Só de pensar arrepio-me!
Comemos uns snacks e de barriguinha cheia, fomos fazer uma soneca até à hora de jantar. Que bem que soube! Depois jantamos, eu e o Diogo fomos jogar matrecos com os locais, bem… ele jogou, eu tirei fotos! E viemos dormir para começar um novo dia!
Passar uma noite a 4800metros de altitude, não é fácil! O oxigénio é escasso e dormimos todos muito mal, acordando com dores de cabeça.
Tomámos o pequeno almoço e saímos para fazer o percurso até o “pueblo” San Juan, já muito perto do Salar de Uyuni. Voltámos a passar pela Laguna Colorada e por vários lamas e bicuñas, uma espécie de lama mais magro e com menos pelo, quase como uma gazela. O Félix é muito simpático e pára sempre que lhe pedimos para tirar fotos. É a vantagem de estarmos num tour privado.
Uns poucos quilómetros à frente, parámos num sítio para mostrarmos que já tínhamos comprado os bilhetes de entrada no parque e aqui vimos uma senhora com uma menina pequena e eu perguntei se podia tirar uma foto e ela disse que queria “plata”… esta gente está muito bem treinado para pedir dinheiro! Seguimos caminho.
Mais tarde, chegámos ao Arbol de Piedra, um conjunto de formações rochosas, provavelmente atiradas para ali por um dos vulcões que estavam por perto. Chamaram a este grupo de pedras “Arbol de Piedra”, porque uma das pedras tem a forma de uma árvore, sendo obviamente a protagonista das fotos. Tirámos todas as fotos possíveis e imaginárias e seguimos caminho! Íamos a 3 lagoas e depois almoçávamos num “pueblo” para ir para San Juan.
As lagunas são todas lindas, mas a última foi maravilhosa! Estava cheia de flamingos e estes não se desviavam tanto, quando nos aproximávamos para tirar uma foto melhor, apesar de ser proibido. Os flamingos são tão fofos… o Félix diz que existem ali 3 tipos de flamingos e só se distinguem pelo cantar deles e nesta lagoa conseguimos ouvir os 3. Tirámos fotos de todos os ângulos, poses e ainda consegui apanhar um deles a voar com as suas asas pretas no interior da asa e outro apoiado só numa pata! Caminhamos um pouco ao longo da margem da lagoa até chegarmos ao jipe.
A caminho da primeira lagoa, vimos uns australianos de bicicleta. Sim, estavam a atravessar a Bolívia de bicicleta, com todos os altos e baixos, pedras e areia, frio e vento! E mais tarde, vimos um Esloveno de bicicleta e como ele parou ao nosso lado, fomos logo perguntar como é que lhe corria a vida! Ele disse que já estava a viajar há 2 anos e meio, que começou na costa este do Canadá e que ia terminar em abril ou maio na Patagónia. Tudo de bicicleta! Até me parou o cérebro! Este fulano, decidiu deixar tudo para trás, ir até ao Canadá, pegar numa bicicleta e percorrer as Américas de norte a sul, com todas as desvantagens que uma bicicleta tem. Sim, porque para uma viagem destas, não vejo vantagens nenhumas, comparativamente com um carro, comboio ou mota. Vamos ser francos? Eu nunca vejo vantagem em ir a qualquer lado de bicicleta… estão a imaginar o rabo deste fulano no final de 3 anos a andar de bicicleta?? Então imaginem!
Quando chegámos ao hotel de sal, quisemos logo tomar um duche, que custava 1,5€ por cada banho, mais 1€ pela toalha (por sinal minúscula e que em vez de enxaguar a água, espalhava-a). Pedimos então que ligassem a água quente e fomos para o wc para tomar banho. Mas quando ligámos a água, nada de sair água quente. Nós já despidas, dentro do duche partilhado, a chamar pela miúda para ela nos ligar a água. Um filme! Tive de me vestir 3x para que me arranjassem água quente… Acabámos por ir tomar banho à casa de banho dos homens com os meninos a guardarem-nos a porta! Que bem que nos soube, depois de um dia a comer pó.
Dormimos uma soneca, jantamos e voltámos para a cama porque amanhã vamos ter de acordar às 4h da manhã para ir para o Salar de Uyuni para ver o nascer do sol lá!
Custou muito acordar às 4h da manhã com o frio que se instala à noite por estes lados. Mas estávamos excitados por irmos finalmente ao salar de Uyuni! O salar tem 10.582 m2 e é composto por sal comestível, que todos nós provámos, obviamente. Está a 3.656 metros de altitude, apesar de não parecer, possivelmente por já estarmos habituados à altitude. Tem algumas montanhas pelo meio e de pano de fundo vê-se de um lado montanhas tão grandes que parecem estar a 10km de distância e não a 80km, e do outro lado um horizonte plano onde o sal bate no céu. Uma linha perfeitamente horizontal, causando miragens. O chão é todo composto por sal e faz uns polígonos de formas aleatórias criando um padrão fabuloso.
Partimos de madrugada em direção ao Salar de Uyuni e pelo caminho ficávamos espantados com a mestria do Félix a conduzir, a virar no meio do nada e mesmo assim encontrar o caminho certo. Quando chegámos lá, o sol estava mesmo a nascer e as nossas sombras estavam no seu comprimento máximo, devido ao chão estar tão plano e o sol tão baixo. Batiam nas montanhas do outro lado! Tirámos foto! Tirámos fotos a TUDO!
Fomos tomar o “desayuno” a uma ilhota de pedras e cactos que estava lá perto, mas estava tanto frio (-10graus) que optamos por comer dentro do carro.
Por sugestão do Félix, fomos dar a volta à ilha para explorarmos mais a zona e tirar fotos. Vimos uma baratita pequenita a passear por aqueles lados e eu pensei “afinal há vida em Marte!”
Quando andávamos a ver os flamingos, na brincadeira eu disse ao Félix que queria abraçar um e ele riu-se na altura. Mais tarde, disse que eu podia abraçar um cacto, que era mais fácil. Então decidimos todos ir abraçar um cacto para fazer a vontade ao Félix!
Quando terminamos de dar a volta à ilhota, fomos de jipe até a um sítio que o Félix sabia que dava para tirar fotos muito giras. Chegámos e pusemos logo todos os acessórios para fora para fazermos as poses com a perspetiva alterada, como é tradicional aqui. Tirámos a garrafa de vinho, o capacete minúsculo que comprámos em Columbus como souvenir e o livro da Bolívia. Fomos alternando as poses, perspetivas e fotógrafo para que todos aparecessem nas fotos. Com muito esforço e suor, apesar do frio, e algumas pequenas lesões causadas pelo sal, conseguimos tirar fotos fora de série!
Depois foi a vez de nos usarmos a nós como protagonistas e já tínhamos combinado que íamos tirar a roupa e o Diogo e o Mário punham uma sunga sexy e eu o meu trikini! Entre apanhar sol, lutas, saltos de vários tipos, snow angels, push ups e corridas, sobrevivemos ao salar e ao frio!
Depois foi a vez do Félix nos tirar fotos a nós os quatro, porque nunca aparecíamos os quatro na mesma foto. Até no chão ele se deitou! Em comboio, em fila, a saltar e a fazer macacadas, tirámos fotos brutais!
O Félix tem se mostrado um motorista exemplar e apesar de estarmos num tour organizado, que nós tanto detestámos, está a correr muito bem! Talvez por estarmos num tour privado e por termos o melhor guia possível!
A seguir Félix levou-nos a ver o melhor hotel de sal que está a ser construído e fiquei impressionada com a qualidade do sítio e das ideias inovadoras do dono. Ainda lhe dei umas dicas e ele pediu uns conselhos para melhorar o atendimento e satisfação do cliente. Todo o hotel é feito de blocos de sal e nos quartos melhores até o chão! Ele fez uns janelões enormes em vidro com vista para o salar e colocou uns cadeirões ao lado para os clientes relaxarem com vista para o deserto de sal. Disse-lhe para pôr uns cactos lá fora e pintar toda a mobília de branco (para evidenciar o sal) e pôr só uns pormenores com as cores fortes deles das mantas e decorações. Ele adorou a ideia e disse que a ia pôr em prática!
Viemos embora e fomos até a um sítio onde estão todas as bandeiras que os visitantes do salar foram trazendo e colocando ali. Curiosamente, até da Micronésia e do Tonga vimos! Tinha também uma grande estátua feita de sal em honra ao Paris Dakar!
Fizemos uma pit stop num mercadinho de souvenires onde estava um lama de estimação, chamada Blanca, muito fofa que gostava de chupas! A dona dela queria 5 pesos bolivianos para tirar fitos com ela e eu perguntei se comprássemos alguma coisa da venda dela, se podíamos tirar fotos e ela assentiu. Compramos um lama feito com lã de lama com umas cores todas bolivianas, mas foi um micro lama, visto que a mala já está pelas costuras! Escusado será dizer que a Blanca foi a rainha da festa… fomos logo com um chupa “alimentar” a Blanquita! Era uma riqueza e quase a trouxemos connosco para Leça! Ficava tão linda na nossa varandinha a ver o mar (coisa que ela nunca viu) e depois ia connosco para a praia! “Blanquita, vien aqui!” e “Blanquita, vamonos a banhar!” Era top!
A seguir fomos ao cemitério de comboios… um monte de ferro velho atirado para ali, mas que já serve de ponto turístico. Bem… tirámos fotos também!
Viemos para o hotel para pousar as malas e fomos dar uma volta pelo centro. Hoje aqui é dia de feira e está o circo montado por estes lados! Fomos tirar fotos ao povo e ver o que se vende por estes lados! Ao jantar levaram-nos a comer uma pizza em forno de lenha que estava uma delícia!
Chegou o dia de dizer adeus à Bolívia e fazermos a estrada de volta até São Pedro de Atacama. O Félix avisou-nos que para estarmos à hora de almoço em Atacama, tínhamos de sair às 4h30 da manhã, por isso foi mais uma noite de pouco sono e um acordar ainda de noite. Quem é que pensou que estar de ferias significava acordar sem despertador? Curiosamente, acordámos 30 minutos antes dele tocar… talvez seja do hábito de acordar cedo quando estamos de férias! É muito comum nas nossas férias estes despertares matinais.
Mas lá nos levantamos às 4h00, a muito custo, e fizemos as malas para descer, tomar o “desayuno” e sair. O chá de coca aqui é uma constante e temos tomado todos os dias. Ajuda a habituar à falta de oxigénio e é quentinho!
Lá saímos do hotel e entrámos no jipe, já todo cheio de “polvo” (pó) e sujidade, depois de 4 dias a conduzir em caminhos de terra batida. Na Bolívia não há estradas pavimentadas e muitas vezes não há estradas de nenhum tipo. É sair do caminho e cortar o mato. É inacreditável como é que o Félix consegue encontrar o caminho no meio do nada, sem placas, sem estradas, ruas ou caminho de cabras. A maior parte das vezes, vamos muito bem num caminho e de repente, vindo do nada, vira num sítio, que a nós nos parece completamente aleatório, mas que nos leva precisamente ao sítio certo, atravessando deserto, ervas ou pelo meio das rochas em desfiladeiros gigantes. Passámos 4 dias aos saltos dentro do jipe, aos tremeliques e a comer pó. Por outro lado, foram 4 dias que nunca mais nos esqueceremos!
As paisagens que mudam de repente, as montanhas que têm tons de castanho avermelhado, bege e cinza que nunca vi em lado nenhum, duas montanhas lado a lado que podem ter formas completamente diferentes e de um minuto para o seguinte podemos passar de uma paisagem desértica para uma paisagem tipo Grand Canyon ou com lagos ou com lamas e pastos. É maravilhoso!
Mas este último dia foi o mais custoso de todos… Primeiro porque era o último na Bolívia (e os últimos dias onde quer que seja são sempre mais difíceis), era o dia da viagem non-stop de Uyuni até São Pedro de Atacama que durou 6h mais algumas paragens (à ida para Uyuni fizemos o mesmo percurso em 3 dias, com paragens para comer, tirar fotos e usar “los baños”), já estávamos cansados de andar de carro e o carro já estava todo coberto de pó.
A primeira hora passou rápido, com conversas sobre os melhores filmes, recordar o que tinhamos vivido e com o pequeno almoço ainda a rebolar no estômago. Do lado de fora, víamos nuvens de pó que pareciam ser uma neblina, muito parecido com as tempestades de areia do filme Interstellar. Começámos a notar que sempre que outro jipe passava por nós, víamos muito pó a entrar no nosso… começámos por fechar o ar do jipe mas continuava a entrar e parecia que era cada vez pior. Chegámos a pôr papel higiénico a tapar o nariz e a boca, improvisando uma espécie de máscara. A uma dada altura, era tanto pó dentro do jipe que nem os olhos podíamos ter abertos. O Félix achava tudo muito normal… está habituado! Pedimos para parar o carro e abrimos as portas para tentar perceber por onde entrava a porcaria do pó. Estávamos todos cobertos de pó! Lá reparámos que com o batimento do carro nos caminhos mais agrestes, o plástico do trinco da porta da Sandra estava partido. O Félix pôs fita cola no plástico enquanto os rapazes foram à mala encher as garrafas mais pequenas com água. Só vejo o Diogo a vir com a mochila na mão a dizer que um garrafão de água tinha rebentado e a nossa mochila estava toda molhada. Na nossa mochila temos tudo o que é de mais valor, como o Mac, a máquina fotográfica, carregadores, baterias e folhas com os bilhetes de avião. Naqueles breves momentos que antecedem à abertura da mochila, entrámos em pânico, já a prever o pior.
O primeiro a sair da mochila foi o Mac… estava seco. Depois a máquina fotográfica… seca. Depois o saco com as baterias das máquinas… encharcado! Foi a bateria da GoPro à vida! Depois os carregadores e folhas que também estavam secos. Só se perdeu a bateria. Dentro do mau, até nem foi péssimo. Agradecemos aos anjinhos pelo pó a entrar no jipe, senão nunca teríamos ido à mala e teríamos tudo arruinado. Ia ficar a viagem toda com a mochila a absorver a água de um garrafão de 5l! Trouxemos a mochila para a frente e foi o resto da viagem aos nossos pés. É claro que ficámos preocupados se as malas com as roupas iriam cair para cima da água e ficar tudo molhado. Mas continuámos a viagem comigo sempre a espreitar para as malas que estavam no meu ângulo visual. Foi uma viagem de 6h muito difícil, com o trinco da porta da Sandra cheio de fita cola para impedir a entrada do pó! Ainda parámos nas termas “Sol de la Mañana” para fazer xixi na casa de banho mais mal cheirosa de sempre. Quase vomitei! E ainda por cima pagava-se 1€ para usar com direito a um pedaço de papel higiénico… mas esse € não era para limpar!
Quando chegámos à fronteira, despedimo-nos do Félix já com alguma saudade e demos ao nosso motorista uma gorjeta bem generosa, visto que ele foi um dos melhores guias que já tivemos!
Passámos para outro carro e carimbamos os nossos passaportes. A viagem da fronteira na Bolívia até à fronteira no Chile demorava cerca de 40minutos. O Félix deixou-nos na fronteira da Bolívia e depois fomos de carrinha até à fronteira no Chile com outro motorista.
Quando estávamos quase a chegar à fronteira no Chile, vimos um autocarro todo ardido na berma da estrada e tinha sido recente porque 4 dias antes não estava ali. Perguntei o que tinha acontecido e ele disse que há 2 dias atrás, o motorista do autocarro tinha usado demasiado o travão e tinha incendiado tudo, mas que nenhum passageiro tinha morrido.
A sensivelmente 5km de distância da fronteira no Chile, a nossa carrinha começa a fazer um barulho estranho e vemos o fulano a tentar meter a terceira mudança e o carro não reagia… Bem………. confesso que paniquei um bocadinho. Tínhamos acabado de ver o autocarro todo ardido e agora o nosso meio de transporte estava a dar o berro. Ele explicou que tínhamos ficado sem turbo e eu só olhava à volta do carro à procura de fumo! Já nem ouvia o que ele dizia! Teve de parar a carrinha e chamou outro carro para nos levar. Correu bem, mas aqueles minutinhos foram bem stressantes!
Quando chegámos à fronteira no Chile, tivemos de comer tudo que fosse vegetal ou fruta. Lá comemos as mangas (tão boas!) sobre pressão e passámos para o Chile.
Fomos ao hotel para tomar um tão maravilhoso banho salva vidas (onde eu fiquei pelo menos 20 minutos, ignorando os sinais de poupar água com todas as forças que tinha, apesar de fechar a torneira enquanto me lavava) e fomos para a rua Caracoles (rua principal de São Pedro de Atacama) para almoçar na Delicias de la Carmen, onde comemos língua de vaca e pernil de porco e de entrada um ceviche de salmão delicioso! Estava tudo excelente, mas perfeita foi a conversa que tivemos com a Carmen, a dona, que se sentou à nossa mesa (como já é costume dela, coisa que tanto aprecia e faz questão de fazer) e falou-nos de todas as viagens dela na América do Sul. Uma senhora maravilhosa e expressiva, com os olhos a brilhar, que acabou por nos oferecer as sobremesas e os cafés depois de tanta empatia criada. Acabámos por ficar na treta com ela cerca de 1h após termos terminado o almoço, só saindo de lá às 17h! Fomos para o hotel para fazermos um sono recuperador de energias (e para nos escondermos do pó) e à noite voltamos à Caracoles para irmos ao La Casona, onde já tínhamos jantado na primeira noite em Atacama.
Comemos um consommé de aves com ovo escalfado e pedimos outra parrilhada como da última vez e uma garrafa de vinho branco. A seguir, sendo esta a última noite aqui, decidimos ir a um pub beber um copo. O problema é que um copo rapidamente passou a dois, já depois de uma garrafa de vinho. Bebi 2 copos de vinho e 2 mojitos e estava prontíssima para “empezar la fiesta”!! Quase que fui para cima da mesa para aprender a sambar, desafiada pelo Mário. Saí do pub a cantar e a “bailar por la calle” e quando apanhamos boleia para o hotel (é seguríssimo) cantei o caminho todo junto com os estrangeiros que nos deram boleia! O Mário e a Sandra só se riam e fui motivo de piadas até ao dia seguinte!
Caí na cama da tenda como uma pedra até acordar a meio da noite cheia de vontade de fazer xixi… ainda meia bêbeda e sem querer despertar, ainda dei voltas na cama a tentar adormecer, mas tive de me levantar. A questão é que não temos wc na tenda, não é? Tive de vestir o casacão de neve, calçar as sapatilhas (porque não dá para ir descalça pela terra e estava de meias por causa do frio e não dava para usar as hawaianas) e percorrer o que me pareceu ser 500 metros até ao wc, às escuras. Que aventura! O caminho de volta para a cama foi feito com um olho aberto e outro fechado, às apalpadelas e a dar passos muito suaves (que figura!) para tentar não sujar o pijama de terra, que a cada passo que eu dava, levantava imensa poeira. Não queria entrar na cama coberta de pó… mas quando lá cheguei ainda me custou entrar na cama porque tinha a sensação que me tinha sujado toda. E ainda mais me custou a adormecer depois de tanta aventura.