O dia começou bem cedo a caminho do aeroporto de Catmandu. Depois de um pequeno almoço, daqueles que não fica na memória, no The Doors hotel apanhamos um táxi negociado com o primeiro taxista que nos apareceu. O check-in para o Butão é necessário ser feito com 3h de antecedência e isso permitiu-nos escolher os lugares do lado esquerdo do avião para poder ver os Himalaias e o Evereste. Quando começamos a ver a cordilheira, ficamos um bocado perdidos, sem saber qual dos picos é de facto o Evereste e cada montanha que aparece, é sempre mais alta do que a anterior.
Conclusão? Tiram-se uma série de fotos que depois não se usam. Quando o Evereste aparece, só se ouvem os sons das máquinas a tirar fotos e aí temos a certeza – é o topo do mundo! Eu ia com um guia local de um grupo de europeus ao meu lado e ele ia dizendo os nomes de cada montanha e de cada pico. As hospedeiras de bordo também avisam, para quem está sentado do lado esquerdo, que se olharem pela janela, podemos ver o Evereste e descrevem o pico, para não haver dúvidas. Ao lado do Evereste há uma série de outras montanhas quase tão altas como ele. A sua imponência é hipnotizante e a única coisa que nos lembramos de fazer foi apreciá-lo, embasbacados até desaparecer do nosso campo de visão. A quantidade de neve é avassaladora e contrasta com o céu azul escuro. Quanto mais alto se está, mais escuro é o céu, devido à falta de oxigénio e aqui o azul é bastante escuro. Um avião voa a cerca de 10km de altitude e o Evereste está a quase 9km. Consigo entender o fascínio que os montanhistas sentem por estas escaladas malucas, onde muitos chegam mesmo a sacrificar a própria vida, no entanto, não achamos que seja nada inteligente nem responsável da parte deles entrarem nesta aventura. Pagam no mínimo 6.000€ para poderem escalar a montanha, mas só têm um mês para o fazer. O tempo ali é extremamente incerto, deixando-os semanas à espera do momento certo para subirem e, vendo o tempo a passar e a escassear, muitos começam a subir sem terem condições necessárias para tal, morrendo pelo caminho.
O português João Garcia tem uma agência de trekking no Nepal. Organiza subidas e é o único português que subiu lá cima e conta a história que subiu com um amigo e com a falta de oxigénio, a determinada altitude adormeceram com a hipotermia e quando ele acordou, achou que o amigo se tinha ido embora. Ficou super ofendido (porque nunca se abandona ninguém nestas viagens), tirou as luvas em modo de alucinação, continuou sozinho. Quando chegou cá baixo, tinha a ponta dos dedos e a ponta do nariz necrosados e tinha deixado o amigo que tinha morrido lá em cima. São assustadoras as consequências da falta de oxigénio! Mas o Evereste mostra-se imponente e impávido à nossa presença e problemas, qual ditador que impõe as regras.
O aeroporto de Paro, o único internacional, é considerado ter a pista mais difícil e mais curta do mundo, não havendo espaço para erros. Estes pilotos são escolhidos a dedo e têm treino especial, sendo considerados os melhores do mundo. E de facto, a descida foi bem sentida, bem mais rápida do que o habitual e com um slalom a rasar as montanhas, que dava a sensação de tocar nas árvores. Também isto foi uma experiência única, com alguma adrenalina apesar de nos sentirmos seguros dentro do 737, um gigante para estas manobras. Mal aterramos, entrámos num mundo à parte, mágico e distante de toda a nossa realidade.
O aeroporto é um edifício tradicional com colunas e janelas enfeitadas com motivos e cores típicas, enfiado no meio de montanhas pintadas por cedros verdes que pareciam artificialmente alinhados e ladeado por um rio de água cristalina e gelada dos Himalaias. O nosso avião era o único visível e um dos poucos voos diários.
Não estava frio e toda a gente começou logo a tirar fotografias, enfeitiçados pela paisagem. Depois de apanharmos as malas e a porta para o exterior do pequeno aeroporto se ter aberto, fomos logo surpreendidos por um cenário imbatível em qualquer parte do mundo, com todos os locais a usar o traje tradicional. Sacou logo um belo sorriso a todos nós!
À nossa espera estavam os 2 guias e 1 motorista, muito educados e sempre com um tom de voz calmo e com um excelente nível de inglês, a 2a língua oficial do país. No caminho até ao restaurante, a paisagem deixou-nos completamente incrédulos. Faz lembrar uma paisagem das zonas mais tradicionais do Japão rural. As montanhas verdejantes, as casas todas com a arquitetura tradicional, as estradas estreitas ladeadas por relva cortada, o riacho de água cristalina, os locais que passam usando o traje tradicional… é cenário de filme e único no mundo. Não há viadutos, autoestradas, camiões de grande dimensão, Mcdonalds, Starbucks, armazéns industriais, nada… tudo é mantido de forma tradicional. A paisagem é do período pré-industrial.
Todos os edifícios novos têm de obedecer a regras de construção, ter o mesmo tipo de janela e adornos tradicionais, havendo um equilíbrio na paisagem. Os adubos e a agricultura intensiva/pecuária são proibidos e por isso é tudo biológico. Não são capazes de matar os animais e por esse motivo importam toda a carne que comem, apesar de vermos bastantes vacas e outros animais. Até a capital, Timphu, é uma cidade pequena de 98mil habitantes e as regras arquitetónicas são mantidas, dando um aspeto de casas de bonecas. A educação até ao 12º é gratuita e a partir daí é baseada no mérito: quem tem as notas mais altas tem bolsa de estudo. A saúde também é gratuita e caso seja necessário algo mais complexo, o estado financia a totalidade do tratamento, mesmo no estrangeiro.
Os butaneses são considerados o povo mais feliz do mundo e a avaliação por parte do governo (monarquia constitucional com primeiro ministro) baseia-se na felicidade das pessoas. É um regime que não quer ser rico ou poderoso e que se foca em medir a felicidade das pessoas e a providenciar qualidade de vida, fechando-se a todo o lixo que a cega globalização traz. Podiam ter melhores estradas, prospeção mineira e madeireira… nada… estão focados em reciclar e a não prejudicar a sua própria terra e o governo definiu uma cota florestal de 70%.
Outro aspeto é que os impostos são muito baixos. E de onde vem o dinheiro para pagar todo este sistema? O estado detém as grandes companhias hidroelétricas e as suas barragens produzem energia em excesso e exportam 75% da energia, sendo a principal fonte de rendimento. O estado controla o mercado e fecha-se a negócios danosos para a população mas não interfere com os negócios locais, permitindo a quem seja mais ambicioso ter posses, terras e negócios. Isto faz com que haja classes diferentes mas pouca diferença entre as classes devido ao estado social forte. A diferença é pouco percetível porque a cultura deles não favorece a ostentação e o que melhor resume este estado é o facto dos butaneses não darem importância ao dinheiro, apenas à felicidade, o equilíbrio espiritual e o bem estar/qualidade de vida de todos.
A espiritualidade está presente em todos os detalhes do quotidiano. Um exemplo disso é que no primeiro hotel em Timphu tínhamos vista para um templo e víamos pessoas, de dia e de noite, a caminhar à volta do mesmo, sempre no sentido dos ponteiros do relógio, num ato de meditação e também de exercício físico intensivo, apesar da idade.
O budismo acredita que tudo deve circular no sentido dos ponteiros do relógio, já que permite a libertação de energias positivas e aquele ato em volta do templo permite ajudar a livrar das más energias não só deles como das outras pessoas. Há quem faça um movimento semelhante a um burpee em múltiplos de 7, já que são considerados números auspiciosos e de boa sorte. Por exemplo, dentro do templo vemos 7 taças de água em frente aos deuses. Todos os detalhes neste país são pensados em torno da espiritualidade e do budismo. No cimo das montanhas, ao longo do caminho, vemos postes com bandeiras brancas estreitas com partes de escrituras que com o vento levam boas energias ao vale, afastando os demónios e dando boa sorte a quem ali vive.
Nas pontes, também construídas de forma tradicional, vemos sempre as bandeiras coloridas também com as ditas escrituras, ou mantras (rezas), para serem levadas pelas águas do rio. É tudo muito metafórico, espiritual e mágico. Todo o Budismo se baseia neste alcançar da iluminação, um estado de felicidade pura e livre de maus sentimentos. Encaram os problemas com naturalidade e como parte da vida, que eventualmente se irão resolver, sem ser preciso stressar.
Todos nós deveríamos seguir este exemplo com o objetivo de esquecermos mais os problemas e vivermos mais para o que já temos e nos faz feliz. O mundo ocidental está demasiado focado nos problemas e na sua resolução, na importância do trabalho, no stress, no cumprimento de horários, no dinheiro, na ostentação e no sucesso financeiro. Aqui, aprendemos a ver a vida de forma diferente, com outros olhos e por outra perspetiva. Fizemos muitas perguntas sobre este assunto, querendo perceber como podemos alcançar este estado de felicidade e assimilar o máximo de informação e percebemos que, para eles, a meditação e o “faz parte” é o caminho.
Enquanto estivemos no Butão, visitámos inúmeros templos, mosteiros e fortes, onde tivemos oportunidade de aprender muito sobre a cultura budista. Relativamente à religião, em primeiro lugar está o “abbot” (equivalente ao nosso papa), seguido pelos “lamas” (os nossos cardeais) e depois os monges (os nossos padres). Estes têm várias etapas a percorrer até conseguirem alcançar o nível espiritual superior. É necessário um tipo de licenciatura e mestrado em rezas e meditações e, numa espécie de especialização, têm de passar 3 anos, 3 meses e 3 dias em retiro sem acesso nem contacto com o mundo exterior, totalmente isolados, vivendo cada um consigo próprio, sem poderem dizer uma palavra. São distinguidos pelas cores das suas vestes. Os mais novatos usam vestes totalmente vermelhas e à medida que vão subindo de nível, vão acrescentando amarelo, até chegarem ao nível do “abbot”, que se veste integralmente de amarelo, na esperança de se poder desprender das 3 coisas más deste mundo – egoísmo, ganância e ignorância – para alcançar o nirvana. Ouvimos falar numa mitologia muito extensa e complexa onde há deuses, deusas, demónios e várias formas que cada um se pode manifestar.
Relativamente ao Buda, pelo que eu entendi, e a melhor maneira de explicar, é que o Buda é uma espécie de profeta, que viveu no que agora se sabe serem em 12 estados desde:
- fecundação (muito semelhante à fecundação da Maria, só que o Espírito Santo foi “substituído” por um elefante azul)
- nascimento (nasceu pela axila da mãe)
- aprendizagem das artes (onde era master a tudo, sem ser necessário treinar, acertando tudo à primeira)
- casamento (casou contrariado, mas teve 2 filhos)
- abandono (fugiu do castelo para conhecer o país, porque sempre viveu dentro de 4 paredes)
- jejum (passou 3 anos a comer um grão de arroz e um copo de água por dia)
- fim do jejum e iluminação
- tentação (tentaram dissuadi-lo e distrai-lo do seu objetivo de iluminação espiritual)
- luta contra o demónio Mara
- primeiro ensinamento público
- ascensão ao céu para ensinar os espíritos
- morte (apesar de lhe terem pedido para adiar a sua morte, ele deu o exemplo e morreu)
Apesar de ser extremamente confuso toda a espiritualidade desta cultura, os nossos guias contavam sempre a história do monumento e de todas as estátuas, escrituras e espaços do que estávamos a ver, sabendo responder a todas as nossas perguntas muito sabiamente. Acreditem que fizemos perguntas sobre tudo, pondo à prova a veracidade da história e os conhecimentos deles sobre a matéria. Mas a verdade é que eles foram impecáveis e extremamente simpáticos e chegaram a dizer que gostavam que nós ficássemos mais tempo, que às vezes têm clientes chatos e imbecis e que ficam mais tempo do que nós e nós (que somos tão fixes) só íamos ficar 3 dias… foram simpáticos em dizer isso, mas de facto correu tudo tão bem que nós também gostávamos de ficar mais tempo.
Butão – Dicas de viagem
Hotel Butão:
- Paro – Tashi Phuntshok
- Punakha – Drubchhu Resort
- Thimphu – Tashi Yoedling
Butão – Formas de deslocação
No Butão é obrigatório andarmos com um guia sempre. Paga-se 250€/dia/pessoa, com voos, alimentação, hotel e entradas nas atrações.
Dicas e pontos de interesse em Paro
- Taktshang Monastery/ Tiger’s Nest Monastery
- Paro Dzong
- Ficar numa “Farm House”
- Park 76
- Iron Bridge
- Acampar em Bumdra
- National Museum
- Experimentar a comida local
- Chelea of Pass
Dicas e pontos de interesse em Punakha
- Punakha Dzong
- Khamsum Yulley Namgyal Chorten
- Chimi Lhakhang
- Sangchhen Dorji Lhuendrup Lhakhang
- Jigme Dorji National Park
- Dochula Pass
- Koma Tsachu
- Limbhukha Village
Dicas e pontos de interesse em Thimphu
- Jungshi Handmade Paper Factory
- Clock Tower Square
- Tango Buddhist Institute
- Changangkha Lhakhang (sunset)
- Simtokha Dzong
- Trashichhoedzong
- Shopping no Mercado